Sr. Jornalista!
Reitero a correspondência
remetida a V. Sa. no dia 12 de outubro e não considerada em sua programação até
o momento.
Reporto-me à matéria
veiculada em vosso programa diário, edição de 08/10, quanto ao esgotamento do
Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, e outros assuntos debatidos com outro
colega jornalista, relacionados com a Marinha do Brasil, com fulcro em missiva
de um Oficial Superior da Marinha, que não se identificou. A reportagem em
apreço pode conduzir a interpretações equivocadas por parte do grande público,
perante as conclusões incompletas e parciais, expostas “ao vivo” por V. Sa.,
motivadas pela ausência de pesquisa a respeito, que deveriam ter sido
promovidas pelo “Jornalismo” da Band.
Inicialmente, devo
assinalar que, diferentemente do colega missivista, tenho nome e sobrenome,
conforme subscrito ao final. Embora eu seja um Capitão-de-Mar-e-Guerra do Corpo
da Armada, na Reserva, ressalto que não
represento a Marinha do Brasil na presente manifestação; represento o
inconformismo pessoal em face de vossas
colocações e as de vosso colega jornalista. Muito menos promovo essa carta por
interesses pessoais; afinal, o único elo
que tenho com a Marinha é sentimental e de profunda gratidão, por ter
contribuído com a formação cidadã de um filho de camelô com uma serzideira numa
pessoa de nível superior e ter me possibilitado exercer uma profissão honrada e
digna.
Em que pese ser seu
ouvinte nos trajetos motorizados, quando os
horários dos deslocamentos permitem, confesso minha surpresa pela forma
emocional como o assunto foi tratado. A
impressão que tive foi a da ausência de suporte à V. Sa., por parte da equipe
de jornalistas e estagiários da Rede. Afinal, permita-me o respeitoso juízo,
considerei inaceitável a ausência dos requisitos que entendo indispensáveis ao
bom jornalismo – que V. Sa. pratica - e que tem o superior compromisso com a
verdade: pesquisa, checagem sobre os fatos e fontes e imparcialidade.
Humildemente, também acrescentaria uma boa dose de prudência no trato de matéria
complexa e polêmica, que entendo desnecessário sugerir a um consagrado
profissional com mais de quatro décadas de experiência e vivência nos
principais veículos brasileiros.
No que tange ao tema da
reportagem - esgotamento sanitário e despoluição da baía de Guanabara -
independente das causas sobejamente conhecidas que levaram ao estado crítico de
nossa baía, entendo ser lamentável que a
rede do Arsenal de Marinha ainda não esteja conectada à rede coletora da Concessionária
CEDAE. Mas também entendo lamentável o Sr não ter pesquisado o porquê.
Em que pese o compromisso
institucional da Marinha do Brasil com a despoluição, não só no Rio de Janeiro,
como nas demais Bases, Navios e órgãos, também é lamentável a falta de
compromisso político dos governantes que não assentam as redes coletoras
corretamente dimensionadas à população crescente; isto sem contar a falta da
renovação das redes existentes, cujo último grande reparo, no Rio de Janeiro,
ocorreu no governo Carlos Lacerda.
Aliás, não só no Arsenal a coleta é deficiente; ela
inexiste em cerca de 16% dos domicílios cariocas. No caso do Arsenal de
Marinha, existe a atenuante da estação de tratamento lá instalada, que,
decerto, não é do vosso conhecimento. E não adiantam estatísticas favoráveis:
de fato, o Rio é o segundo município
brasileiro mais privilegiado em termos de saneamento básico, após São Paulo,
obviamente.
Mas a triste constatação,
que V.Sa., como pessoa bem-informada, tem conhecimento, que o sudeste e o
Distrito Federal são exceções. No Amapá, por exemplo, apenas 4% dos domicílios
têm acesso à rede coletora de esgoto. A média brasileira de domicílios
desassistidos é algo entre 43 e 46%, segundo a última pesquisa PNAD, o que
também é lamentável. E V. Sa. sabe muito bem o resultado da falta do
saneamento básico. Nas áreas em que o esgoto corre a céu aberto, as
despesas com a assistência de saúde primária multiplicam-se por quatro. Afinal,
de cada real investido em saneamento básico, o estado economiza quatro na rede
hospitalar.
Mas não nos desviemos da
questão central: causou estranheza, na vossa matéria, os seus repórteres não
buscarem informações junto à Direção do Arsenal de Marinha sobre o assunto, que
permitiria informar o grande público acerca do quadro completo da situação
enfocada, qual seja, as obras em andamento, as dificuldades técnicas ou legais,
prazos, recursos financeiros etc.
Esse aspecto me deixou por
demais inquieto, porque é sabido que a Rede Bandeirantes, nos seus diversos e
conceituados veículos, tem feito do jornalismo o seu contraponto às
concorrentes. E isso não ocorre só no sudeste, onde se concentra a esmagadora
maioria das verbas publicitárias. Idêntica postura assume, por exemplo, a RBA
na Amazônia. No caso em riste, não seria difícil um deslocamento de uma das diversas
viaturas da Rede,
da Rua Álvaro Ramos à Ilha das Cobras, no centro da cidade, onde se
localiza o AMRJ, sigla que identifica o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro,
uma instituição com 256 anos de existência, nascida, como é óbvio, ainda no
Brasil Colônia.
No Arsenal, com certeza,
seriam fornecidas maiores informações, como
exemplo, a de que a obra de ligação com a rede da concessionária,
vislumbrada para julho de 2014, atrasou por questão técnica relevante, dada a
especificidade do solo por tratar-se de uma ilha; ou das estações de tratamento
implementadas, diante da inexistência de uma galeria de cintura apropriada
da concessionária em terra firme.
Nunca é demais nos
lembrarmos do sumidouro de dinheiro público gasto no saneamento periférico da
baía de Guanabara, há longo tempo, cerca de 25 anos, exatamente pela demora de
se implementar uma rede coletora. Teve dinheiro nosso, do Banco Mundial,
dinheiro japonês e com certeza de outras fontes, literalmente no ralo, nessa
história toda. É fato que não existia a galeria de cintura até há dois anos. Só
há pouco passou-se a ter condições de conectar-se redes tributárias, no centro
do Rio, à coletora de 1000 milímetros. A programação do AMRJ era para 2014;
atrasou um ano por conta da “abundância” de verbas do governo federal destinadas às Forças Armadas.
Como V.Sa. observa e tem
ciência, em pormenores, trata-se de uma questão antiga, cujas duras palavras
ditas por V. Sa. em seu programa, a respeito do Arsenal de Marinha, seriam mais
adequadas e, com certeza, fidedignas da situação, se a sua assessoria tivesse
ofertado à produção todas as informações necessárias e coletadas na fonte,
desprezadas pela sua equipe, como grave ofensa ao princípio do contraditório.
Para finalizar neste
tópico, uma boa idéia seria a sua equipe de jornalistas, por ocasião da visita
que se faz obrigatória ao Arsenal, passar a conhecer a história do AMRJ, os
atuais planos, a Escola Técnica mantida e administrada pelo Arsenal, que
oferece oportunidades de vida a jovens, os maiores diques abaixo do Rio Grande,
na América Latina, os navios construídos, ou, ao menos, apreciar o
Navio-Aeródromo São Paulo, lá atracado, que V. Sa. também comentou e atacou sem
qualquer critério, com base, apenas numa carta apócrifa, cuja motivação possa
estar relacionada com a caótica situação de verbas que os Chefes Navais estão vivenciando no momento...
Bem...como o Sr. falou
muito da Marinha do Brasil (e mal), não posso parar por aqui!
O Sr e o seu colega, de
quem não guardei o nome, comentaram a respeito da aquisição de um novo navio
francês, um Navio de Assalto Anfíbio, de nome SIROCO na Marinha da França,
discorrendo uma série de contrariedades à sobredita compra.
Com certeza, não sou a
pessoa mais indicada para esgotar (sem trocadilho) o assunto e suprir-lhe as
informações que seus assessores não lhe forneceram. Como exposto antes,
dirijo-me a V. Sa. inconformado com o
desrespeito à Força Naval. Um representante oficial da MB ser-lhe-ia muito mais
útil que este Autor no esclarecimento dos fatos elencados na reportagem.
Mas posso adiantar que é
praxe das Marinhas de países com menor capacidade financeira de se valer, além
de navios novos, de navios ditos de “segunda mão”, como é o jargão. Esse
procedimento não é privilégio da Marinha do Brasil. Exceto sete ou oito
Marinhas vinculadas aos países mais desenvolvidos, as demais adotam esse
procedimento para complementar as suas necessidades operativas.
O Brasil possui um extenso
programa de aparelhamento de suas Forças Armadas que contemplam meios novos,
vários construídos em território nacional, ou compras programadas no exterior,
inclusive aquisições de oportunidade, as quais, como o próprio nome indica,
referem-se a meios necessários, mas não vislumbrados no momento.
Recentemente, como
exemplo, a Marinha do Brasil incorporou ao seu inventário três navios-patrulhas
oceânicos, novíssimos, construídos na Inglaterra e inicialmente direcionados a
outro país. Por algum motivo, os contratos foram desfeitos e a nossa Marinha
aproveitou o momento, promovendo uma compra de oportunidade. Esses navios já
operam sob o pavilhão nacional.
Observa-se que não é só de
“navios velhos” que a Marinha do Brasil é composta, como o Sr. comentou. Há
muitos meios aqui construídos e que nos enchem de orgulho, tal o orgulho que
sentimos no aperfeiçoamento de tecnologia própria na construção do futuro
Submarino Nuclear Almirante Álvaro Alberto.
No caso do Navio de
Assalto francês, a sua obtenção foi motivada pela recente desativação de meio
correlato; daí, a necessidade de recompletar a Esquadra.
O navio em causa também era pretendido por Portugal, que
desistiu. A Marinha do Chile adquiriu, em 2011, outro navio da mesma classe
Foudre, que no Chile passou a ostentar o nome de “Sargento Aldea”. Como visto,
esse é um procedimento usual.
Uma comissão da Diretoria
Geral de Material da Marinha inspecionou o navio e recomendou a sua aquisição.
Por esse rápido
esclarecimento, o Sr. pode constatar que essa iniciativa não se trata de uma
intervenção amadora ou unilateral de alguma autoridade naval. Tudo é muito bem
pensado e avaliado, assim como foi a aquisição do Navio-Aeródromo FOCH, o atual
São Paulo, diferentemente do que foi comentado por V. Sa.
Por oportuno, no caso da
Aviação Naval, duramente conquistada ao longo de quase 100 anos, desde as oficinas
pioneiras na Ilha do Galeão na década de 20, o importante foi não perder a
capacidade operacional e a doutrina. Nosso patrimônio naval de mais de oitenta
helicópteros – as chamadas aeronaves de asa rotativas, atesta a nossa umbilical
ligação com a aviação, inclusive a de asa fixa, que sempre contou com aviões
operados pelos nossos irmãos da FAB. Oportuno citar que caças A-4, ora operados
por pilotos navais, adquiridos de
segunda mão do Kuwait, no inicio da década anterior, estão sendo modernizados
pela EMBRAER, em mais um esforço da Marinha pelo desenvolvimento tecnológico
nacional, igual a tantas outras contribuições, que V. Sa. tem de conhecer, como
os quatro Navios Hospitais na Amazônia e no Pantanal, ou a Estação Comandante
Ferraz na Antártida, ou as patentes requeridas pelo Instituto de Pesquisas da
Marinha, ou a construção naval no Arsenal de Marinha, o maior parque industrial
da América Latina, ao lado do aperfeiçoamento da coleta sanitária na Ilha das
Cobras, de que falamos.
Resta claro que todos nós
gostaríamos de obter os meios mais avançados, como foi a aquisição dos caças
suecos Gripen NG, que demorou vinte anos. Mas nem sempre essa condição é
possível, haja vista a situação econômico-financeira adversa nacional. Como
manter os meios em bom estado de operação, inclusive no tocante à segurança do
pessoal, se até os hospitais militares estão deficitários? Daí a necessidade de
desmobilizar meios, como citado na reportagem, para reduzir o custeio da Força.
Boechat: Nesse quesito, na
redução das despesas, a Alta Administração Naval se comporta igual à conduta
empregada nas finanças pessoais, em situações de aperto. Está caro,
desmobiliza, “desapega” como dizem os jovens. Claro que nenhum de nós aceita de
bom grado a baixa de meios. Mas o
Comandante tem de manter a Força balanceada ante as necessidades do seu emprego
em face dos escassos recursos recebidos, hoje, cada vez mais reduzidos. Por
exemplo, atualmente, temos compromissos internacionais que não podemos abrir
mão, como o Haiti, o Líbano ou o Timor Leste. São conquistas, preservadas com
muito esforço pela Marinha. É o pavilhão do Brasil levado a outros mares, a
outras terras, até com intervenções humanitárias, como foi o recente salvamento
de refugiados, pela Corveta Barroso, a caminho do Líbano, no mar Mediterrâneo.
Mesmo com todas as
restrições, inclusive, por vezes, a
necessidade de dispensar a tropa para economia de rancho, como citado em vosso
programa, as Forças Armadas têm buscado a constante revitalização de seu meios,
como a viatura blindada Guarani, o cargueiro da
FAB, KC-390, produzido pela
EMBRAER com verbas da Aeronáutica, os helicópteros Super Puma, construídos em
solo pátrio, ou a construção em Itaguaí dos quatros submarinos convencionais
(já havíamos construído seis submarinos antes, na década de 70 e na de 80) que
conduzirão ao submarino nuclear após 2025. Assim como, tantos e tantos meios,
aqui desenvolvidos, em décadas passadas, mostrando a capacidade da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica.
Por último, Boechat,
lamento que o Sr. tenha endossado as palavras de um colega que dispõe de
informações parciais, sem a observância dos mínimos preceitos jornalísticos e
do princípio constitucional do
contraditório. O resultado só poderia ter sido uma reportagem
incompleta, em desacordo com a sua carreira de jornalista consagrado. Espero, de alguma forma, ter contribuído para
o seu esclarecimento.
E quanto ao meu “colega
naval”, que vos escreveu, com certeza se trata de um jovem idealista,
amargurado com as agruras governamentais impostas à sua Força querida. Eu
entendo esse colega, me coloco à disposição dele e o desculpo. Só não desculpo
V. Sa. Inaceitáveis as suas falhas após tantos anos de labuta na imprensa.
Ao renovar a sugestão para
uma entrevista com algum representante oficial da Marinha do Brasil, firmo,
RESPEITOSAMENTE,
Rio de Janeiro, em 04 de
novembro de 2015.
De Luca, Vicente Roberto.
Capitão-de-Mar-e-Guerra
do Corpo da Armada (Reserva
Remunerada).
Engenheiro
Mecânico, Eletricista e Eletrotécnico Industrial.
Advogado.
Perito Judicial.
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