Depois de tantos testes com medicamentos, quanta sujeira foi varrida para debaixo do tapete?
Para saber se um remédio ou tratamento é eficaz, realizam-se testes aleatórios controlados. O medicamento testado, um placebo ou outra droga, é ministrado aleatoriamente aos participantes. Nem os pesquisadores nem os participantes sabem quem tomou o quê. Monitoram-se os sintomas, os efeitos colaterais e outros indicadores. Depois de certo tempo, o pacote é aberto e ficamos sabendo o que tomavam os diferentes participantes. No entanto, embora muitas pessoas (geralmente os fabricantes) digam que há muita pesquisa por trás de uma substância, geralmente a pesquisa publicada só conta parte da história.
Há pouco tempo, os resultados das pesquisas com a sinvastatina e a ezetimiba, utilizadas nos Estados Unidos para reduzir o colesterol, tiveram de ser extraídos à força dos laboratórios que as produziram. Foram precisos dois anos para que os fabricantes entregassem os resultados após a conclusão dos testes. Depois da divulgação das informações, pôde-se entender o porquê da demora: a combinação das duas drogas é ineficaz na redução dos sintomas de doenças cardiovasculares. Estudos posteriores apontaram resultados negativos.
A indústria farmacêutica deseja publicar só as pesquisas que apoiem o uso dos medicamentos e que deixem de lado os resultados negativos. Existe uma expressão para esta prática: ‘viés de publicação’.
O ‘viés de publicação’ já existe há décadas, mas só há pouco tempo membros da comunidade científica tomam providências para acabar com ela. Um passo importante neste sentido foi a decisão dos Estados Unidos de que as análises de drogas sejam registradas num banco de dados central, antes ou durante a análise. Assim, o estudo é registrado, e se os resultados misteriosamente ficarem ocultos, isto poderá ser questionado.
O caso de um antidepressivo
É natural perguntar como é possível que muitas drogas ganhem reconhecimento com base no ‘viés de publicação’. Pesquisadores honestos estão dispostos a enfrentar esta questão e reavaliar o uso de medicamentos baseados no que foi publicado, e também no que foi omitido.
Em 12 de outubro de 2012, o British Medical Journal divulgou um caso em seu website: pesquisadores alemães decidiram avaliar as informações publicadas e omitidas sobre o antidepressivo reboxetina, medicamento relativamente novo.
A reboxetina ajuda a manter os níveis de noradrenalina no cérebro, substância que, conforme se crê, melhora o humor, e é semelhante aos antidepressivos mais comuns.
Pesquisas publicadas anteriormente mostram que a reboxetina é mais eficiente que o placebo nos tratamentos da depressão. Seu uso foi autorizado em muitos países europeus, inclusive no Reino Unido e na Alemanha, desde 1997.
No entanto, os pesquisadores descobriram que mais da metade das informações sobre a reboxetina deixaram de ser publicadas. Ao se avaliar todas as informações, concluiu-se que a reboxetina é similar ao placebo, mas causa mais prejuízos à saúde. Os pesquisadores concluíram que a reboxetina é “um antidepressivo ineficaz e potencialmente prejudicial”. No entanto, seu uso foi autorizado na Europa há mais de uma década.
Os autores da análise observaram que, no Reino Unido, o Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica (INSEC) descreve a reboxetina como “superior ao placebo e tão eficaz quanto outros medicamentos usados no tratamento da depressão”.
Nos Estados Unidos, a reboxetina foi autorizada a princípio, porém depois se revogou sua licença. A diferença em relação a países da Europa sugere que as autoridades americanas possuíam mais informações nas quais basearam sua decisão, ou talvez possuíssem diferentes critérios para conceder licenças.
Estas discrepâncias e este flagrante exemplo de ‘viés de publicação’ inspiram desconfiança. A boa notícia é que pelo menos um grupo de pesquisadores não se conforma em trabalhar apenas como mandam os investidores da indústria farmacêutica, mas realmente se esforçam por alcançar a verdade. Com certeza, encontraremos muito mais sujeira nos próximos anos ao levantar apenas um pouco o tapete.
O Dr. John Briffa é um médico de Londres e escreve sobre saúde, com interesse em nutrição e medicina natural. Seu website é Drbriffa.com
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